Um tributo à capital que cresceu com seus pioneiros e é celebrada agora em um livro que reúne histórias de quem a viu nascer, florescer e se transformar
Reportagem: Guilherme Vicente de Morais
Brasília completa 65 anos. Mais que uma data redonda, o aniversário da capital do País é um convite à memória – e, mais ainda, à escuta. A cidade que nasceu de um traço no papel e de um sonho coletivo pulsa, hoje, com vozes que ajudaram a escrevê-la. Para celebrar esse marco, o jornalista Marcelo Chaves – colunista social com 25 anos de atuação profissional na capital federal – prepara um projeto editorial inédito: um livro que reúne mais de 50 personalidades que viveram, construíram e seguem fazendo de Brasília uma terra de possibilidades.
A obra, ainda em fase final de produção pela Editora Escreva, casa editorial que também é filha da capital, é um presente para a cidade e um reconhecimento àqueles que transformaram a poeira do cerrado em afeto, concreto em vida, e um projeto nacional em pertencimento. Por meio das memórias de empresários, artistas, médicos, educadores e lideranças, o livro oferece um panorama singular: uma cidade contada não apenas por seus marcos históricos, como conhecemos, mas por quem os habitou, moldou e deu sentido a cada um deles.
Para entender Brasília, é preciso voltar ao ano de 1960, mais precisamente em 21 de abril. Sob o governo de Juscelino Kubitschek, a nova capital federal foi oficialmente transferida e inaugurada no Planalto Central, o coração do País. O plano urbanístico de Lúcio Costa e os traços futuristas de Oscar Niemeyer projetaram ao mundo uma cidade que, em pleno cerrado, desafiava distâncias, conectava regiões e sintetizava o otimismo desenvolvimentista da época. Mas a capital não nasceu só de engenheiros e arquitetos: nasceu, sobretudo, dos candangos – trabalhadores vindos de todas as partes do Brasil, especialmente do Norte e Nordeste, que ergueram em meio à poeira e ao suor, debaixo de sol e chuva, o que viria a ser um patrimônio cultural da humanidade. Cá para nós, um dos mais belos.

Se Brasília começou como projeto, o tempo e as pessoas a transformaram em experiência. E é sobre essa experiência – íntima, política, afetiva – que o livro de Marcelo Chaves se debruça. A motivação para esse projeto nasceu da vontade de homenagear não só a capital, mas também as pessoas que a constroem. “Quando se fala em Brasília, muitos ainda pensam só em política, mas a cidade vai muito além disso. Há talentos em todas as áreas, impactando positivamente milhares de vidas”, afirma o jornalista. Nascido e criado na capital federal, Chaves cresceu acompanhando de perto a transformação do Planalto Central em metrópole, e decidiu reunir nesse livro as trajetórias de quem, ao longo de décadas, fez a diferença com seu trabalho, sua arte, seus negócios e suas ações sociais.
“A revolução tecnológica não é para os conservadores. Ela é para os ousados. Para os criativos. Para os que não têm medo de desaprender para aprender de novo.”
A história contada por quem nasceu ou escolheu Brasília para chamar de casa
O diplomata Paulo Uchôa, nasceu em Brasília seis anos após sua inauguração. Filho da capital, cresceu cercado pelas embaixadas e pelas relações internacionais que a cidade abriga em seu DNA. Foi ali, entre colegas de escolas com sotaques de várias partes do mundo, que ele descobriu sua vocação: a diplomacia.
Hoje, após três décadas de carreira no Itamaraty, Uchôa leva a capital consigo em cada missão internacional – e reconhece o quanto a arquitetura e a natureza da cidade impressionam até os estrangeiros mais acostumados a monumentos. Para ele, o pôr do sol do Planalto, as curvas de Niemeyer e a urbanidade planejada fazem de Brasília uma cidade-parque. “A cidade tem um céu único, uma luz que marca presença. E tem também uma qualidade de vida que poucos centros urbanos conseguem oferecer.”
Outro que viu a cidade crescer foi o advogado Estenio Campelo. Ele trocou o Rio de Janeiro por Brasília em plena efervescência dos anos 60, fugindo da repressão do regime militar. Ele chegou à capital ainda empoeirada, onde tudo girava em torno da W3 Sul. No início da carreira, atuou em casos comuns no Tribunal da Primeira Instância, até descobrir que seu lugar era nas altas cortes – aquelas que, como ele diz, “discutem Direito de verdade”.
Brasília também é território de mobilização e justiça social. A professora e ativista Natanry Osório conhece bem esse caminho. Foi alfabetizadora, gestora pública, defensora do meio ambiente e, acima de tudo, uma voz firme em defesa da cidade. Ainda jovem, apaixonou-se por Brasília quando ouviu os planos de JK sobre a nova capital. Casou-se com um dos primeiros advogados a se instalar na cidade livre e dedicou sua vida à comunidade.
Como administradora do Lago Sul, ficou conhecida por promover uma gestão participativa, derrubar construções ilegais em áreas verdes e defender o Cerrado como herança sagrada. Fundadora e voluntária da Ação Social do Planalto, acredita que o maior legado que se pode deixar a Brasília é o compromisso com as futuras gerações. “Tombamento não é congelamento. É responsabilidade. Temos que preservar o sonho de Dom Bosco sem torná-lo um pesadelo.”

Denise Zuba, uma das designers de interiores mais respeitadas do País, também tem sua história entrelaçada à da cidade. Para ela, Brasília é mais que morada – é inspiração estética, geográfica e emocional. Denise carrega a cidade no olhar. Em seus projetos, valoriza a luz natural, os tons do Cerrado e a fluidez dos espaços – tudo o que aprendeu vivendo entre as curvas de Niemeyer e os eixos de Lúcio Costa. “Brasília me ensinou que o espaço precisa emocionar. Precisa acolher. E isso é algo que trago para cada casa que projeto”, explica.

A jornalista e gestora cultural Cosete Ramos testemunhou a assinatura do decreto que transferiu a capital da República para o meio do Cerrado. Ela participou da cerimônia na Câmara Federal, ao lado do pai, Rui Ramos, deputado federal na época. Cosete viu a cidade florescer pela ótica da cultura e do turismo. Sua trajetória como uma das primeiras promotoras de eventos e divulgadoras do potencial turístico de Brasília revela uma capital vibrante, muitas vezes mal compreendida. Cosete apostou na arte como linguagem de transformação, promovendo exposições, feiras, festivais e conectando a cidade com o Brasil e o mundo. Ela lembra com carinho dos anos em que abriu as portas para esse diálogo. “Brasília é muito mais que política. É uma cidade viva, que mistura modernidade com espiritualidade, natureza com arte, sonhos com concreto”.
Brasília é, sim, uma obra de arte a céu aberto, mas o que a torna verdadeiramente única são as histórias de quem a viu nascer, crescer e florescer. Aos 65 anos, a capital celebra não apenas sua arquitetura icônica, mas as pessoas que moldaram sua alma e deram sentido ao seu traço.
Cosete ramos
65 anos depois: o futuro é agora
O livro que Marcelo Chaves está prestes a lançar não é apenas uma celebração aos 65 anos de Brasília. É um documento vivo da alma da cidade. Ao reunir histórias de quem testemunhou a pujança da terceira capital do País – consagrada também como a terceira maior do Brasil com 2.982.818 habitantes – a publicação mostra que a capital dos brasileiros é feita, sobretudo, por pessoas. Gente que construiu, cuidou, criou, inovou, defendeu e continua acreditando na promessa de uma cidade que nasceu para unir o Brasil.
No centro do País, entre o paralelo 15-20 sonhado por Dom Bosco, nossa cidade segue sendo horizonte. Não só pela arquitetura ou pelo céu e pôr do sol que só nós temos aqui, mas pelo que representa: a possibilidade de começar de novo, de fazer diferente, de viver o futuro no presente.
Parabéns, Brasília!