Marivaldo Pereira comenta sobre os caminhos para um Brasil mais justo
Entrevista: Hulda Rode

Em um momento em que a segurança pública ocupa o centro do debate nacional, o jurista e secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, assume um papel estratégico na formulação de políticas que buscam equilibrar proteção, justiça e transparência. Reconhecido por sua sólida trajetória acadêmica e política, ele é uma das vozes mais influentes na construção da PEC da Segurança Pública, proposta que pretende redefinir práticas e responsabilidades no setor.
Nesta entrevista exclusiva à Revista Escreva, Dr. Marivaldo fala sobre os bastidores da proposta, a implementação das câmeras corporais como instrumentos de confiança entre polícia e sociedade, além dos desafios de construir um modelo de segurança capaz de responder às demandas sociais sem abrir mão da democracia e dos direitos fundamentais.
Escreva: Dr. Marivaldo, como se deu a sua trajetória dentro da Esplanada e quais funções já desempenhou no Ministério?
Marivaldo Pereira: assei pela Casa Civil, fui secretário de Reforma do Judiciário, secretário de Assuntos Legislativos e secretário executivo. Fui o primeiro negro a ocupar o cargo de ministro da Justiça interino. Hoje sou servidor de carreira, auditor do Tesouro, já fui candidato, assessor parlamentar e voltei em 2023 como secretário de Acesso à Justiça e, agora, secretário de Assuntos Legislativos.
Escreva: De onde vem sua motivação para seguir na área da justiça e da segurança pública?
Marivaldo Pereira: Cheguei a Brasília pensando em advogar, mas me encantei pelas políticas públicas no Ministério. Vi como elas podem transformar vidas, especialmente na segurança. Sempre digo aos jovens da periferia que ocupar a burocracia é essencial, porque quem já viveu fome ou violência policial tem outra sensibilidade para discutir políticas sociais e câmeras corporais.
Escreva: Como você avalia a trajetória das políticas de segurança pública no Brasil e os desafios de continuidade entre diferentes governos?
Marivaldo Pereira: No Brasil, há a ideia equivocada de que mais violência do Estado significa mais proteção. Isso atrapalha políticas consistentes, que muitas vezes não têm continuidade. O desafio é superar essa lógica e construir políticas que transformem a relação entre Estado e sociedade.
Escreva: Na prática, quais são os efeitos de uma política de segurança baseada na violência do Estado?
Marivaldo Pereira: Quando o Estado aposta na violência, a sociedade e os agentes de segurança sofrem mais. Políticas como o PRONASCI, que apoiam policiais e investem nos territórios, mostraram resultados positivos, mas foram descontinuadas. Hoje, busco promover uma segurança pública que vá além da força bruta, focando em salvar vidas.

Escreva: As câmeras corporais são hoje a principal bandeira da sua atuação no Ministério?
Marivaldo Pereira: Desde 2023, defendo as câmeras corporais, que têm os melhores resultados na segurança pública nas últimas décadas, reduzindo mortes de policiais e cidadãos. Essa política fortalece transparência, protege a população e dá segurança aos agentes.
Escreva: O que as câmeras demonstraram na prática?
Marivaldo Pereira: Quando o policial usa a câmera corporal, ele segue melhor os protocolos treinados, se expõe menos e atua de forma mais segura. Isso reduziu significativamente o número de policiais mortos e, consequentemente, também de jovens em operações. O desmonte dessa política em São Paulo mostrou imediatamente um aumento dessas mortes.
Escreva: As câmeras corporais também reduziram os processos nas corregedorias?
Marivaldo Pereira: Sim, houve uma redução significativa porque os protocolos passaram a ser cumpridos com muito mais rigor. Em São Paulo, por exemplo, policiais relataram que a eficiência da atuação melhorou tanto que até se discutiu a possibilidade de reduzir a jornada. Nos estados onde a gravação é contínua, os resultados são ainda mais efetivos. Por isso, defendo com firmeza essa política.
Escreva: Hoje, as câmeras corporais já estão em uso nacional ou apenas em alguns estados?
Marivaldo Pereira: Atualmente, o uso está restrito a alguns estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, a adoção veio por determinação do Supremo nas operações em favelas e já mostra resultados positivos. Em São Paulo, havia um modelo bem-sucedido de gravação contínua, mas mudanças recentes que limitam a ativação da câmera geram preocupação sobre os impactos nos índices. Na Bahia, que enfrenta altos níveis de letalidade policial, a gravação contínua também foi implementada e tem trazido avanços importantes. Ainda há ajustes tecnológicos a fazer, mas os resultados já comprovam a eficácia dessa política.
Escreva: Além da violência, quais são hoje os principais desafios da segurança pública no Brasil?
Marivaldo Pereira: O maior desafio é enfrentar o nível de organização que o crime tomou. Hoje ele tem caráter transnacional, articulando grupos brasileiros com organizações estrangeiras no tráfico de drogas, armas e outros crimes. Isso exige integração entre União, estados e municípios. Também preocupa a infiltração do crime em setores econômicos, como o imobiliário, e práticas como o Novo Cangaço, que afetam cidades de diferentes estados. Se a informação circular de forma integrada, conseguimos agir antes, desarticular redes de armamento e lavagem de dinheiro e isolar lideranças.
Escreva: Quais caminhos vocês veem para transformar a segurança pública no Brasil no futuro?
Marivaldo Pereira: O primeiro passo é a aprovação da PEC da Segurança Pública, que vai integrar melhor os órgãos de segurança, aumentar a eficiência e proteger os agentes. Hoje, minha principal função é atuar como interlocutor com o Congresso, e já tivemos uma vitória importante na CCJ. Temos boa expectativa de aprovação também na Comissão Especial, porque muitos parlamentares da oposição reconhecem que essa é uma demanda da população, não de um governo específico.
Escreva: O diálogo é o principal caminho?
Marivaldo Pereira: A democracia pressupõe diálogo. Não precisamos de consenso imediato, mas de disposição para construir acordos que beneficiem a população. É assim que atuo: diálogo semanalmente com parlamentares de todos os campos, inclusive da oposição, para avançar nas pautas do Ministério e construir políticas públicas efetivas.
“A democracia pressupõe diálogo. Não precisamos de consenso imediato, mas de disposição para construir acordos que beneficiem a população”, comenta Marivaldo Pereira
Marivaldo Pereira é bacharel em direito e mestre em direito processual civil, Pereira é auditor federal de Finanças e Controle do Tesouro Nacional, e iniciou a atuação no Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), como secretário de Acesso à Justiça, em janeiro de 2023. Atualmente é secretário Nacional de Assuntos Legislativos no MJSP.
Fotos: João Pedro Eymard