Autor: Eduardo Galvão
“Pai, por que as pessoas brigam por política na internet?”
Meu filho me fez essa pergunta outro dia. Não soube responder de imediato. Respirei fundo e percebi que não era uma dúvida só dele. Era também minha. Era de todos nós.
Vivemos um paradoxo curioso: nunca estivemos tão conectados e nunca foi tão difícil conversar. O ambiente digital, que prometia pontes, virou ringue. As redes sociais, que nasceram para ampliar o diálogo, acabaram se transformando em espaços de reafirmação de identidade, onde qualquer divergência soa como ofensa. Estamos falando demais — e ouvindo de menos.
O problema está só no comportamento individual. Ele é estrutural. As redes operam por algoritmos que organizam o que vemos com base no que já curtimos, já assistimos, já dissemos. Isso nos prende em bolhas de afinidade, onde todo mundo pensa igual e quem pensa diferente vira ameaça. O engajamento é a moeda, e o conteúdo que gera mais engajamento é aquele que provoca reação emocional intensa. Indignação, raiva, deboche. Não é coincidência. É projeto. A lógica algorítmica privilegia o impulso, não a escuta. O rápido, não o profundo.
E essa lógica transborda. Nas famílias, nas escolas, nas empresas. Estamos mais impacientes, mais reativos, mais polarizados. Discordar virou ofensa pessoal. Questionar é visto como ataque. A escuta, que exige pausa, curiosidade e reflexão, foi substituída pela resposta pronta, pelo meme, pela lacração. A ideia de “ganhar o argumento” passou a importar mais do que entender o outro.
As consequências aparecem cedo. Crianças e adolescentes crescem imersos em ecossistemas digitais que reforçam o “meu mundo, minhas regras”. O tempo de rua virou tempo de tela. O convívio com o contraditório foi substituído por algoritmos que validam tudo o que a criança já acredita ou deseja. E como esperar que aprendam a lidar com frustração, com o limite, com a diferença, se tudo ao seu redor confirma, filtra, personaliza?
Essa crise da escuta não termina na dimensão pessoal. Ela atinge também o espaço público, as instituições, a própria democracia. A política, cada vez mais, é moldada por narrativas nas redes sociais. Mas o que se forma ali não é necessariamente opinião crítica e sim reação. Decisões são tomadas com base em fragmentos, manchetes e bolhas. A confiança nas instituições se fragiliza. A desinformação se espalha. A construção de consensos se torna quase inviável. E sem escuta, sem debate genuíno, como sustentar um projeto coletivo?
Diante disso, a pergunta que importa não é se devemos abandonar as redes, mas se estamos dispostos a reaprender a estar nelas. Com pausa. Com respeito. Com disposição real para ouvir. Reverter esse quadro não exige soluções mágicas. Exige escolhas conscientes: promover educação midiática, criar espaços de diálogo seguro, valorizar o dissenso como parte da convivência e não como sinal de fracasso. Também exige que líderes, educadores, pais e organizações se comprometam com uma cultura da escuta, mesmo (e especialmente) quando ela for desconfortável.
Voltei à pergunta do meu filho dias depois. Disse a ele que, às vezes, as pessoas brigam porque esquecem que, do outro lado da tela, também tem uma pessoa. E que a gente nunca deve deixar de ouvir, mesmo quando discorda. Talvez principalmente quando discorda. Porque, no fim das contas, é na escuta que começa qualquer possibilidade de transformação.

Eduardo Galvão – Diretor da consultoria global Burson e professor de Políticas Públicas do Ibmec DF.